Essa página será dedicada aos estudantes brasileiros de graduação em Física. Eu compartilharei algumas das visões que adquiri sobre o curso quando o fiz, algumas experiências importantes e darei algumas dicas. No final eu vou deixar o link para algumas outras pessoas que podem complementar sua busca com a opinião delas a respeito do curso de física.
Sobre o curso de Física
A primeira palavra para definir o curso de física, na minha opinião, é dificuldade. A segunda é encanto. Há um motivo do porque coloquei dificuldade antes de encanto, e ele está relacionado à minha própria experiência. Muito antes de me encantar com toda a física, eu tive muita (muita mesmo) dificuldade nos 2 primeiros semestres. Eu creio que a dificuldade não seja porque as matérias são difíceis e a matemática é pesada (elas de fato são); mas sim porque no curso, muitas dificuldades aparecerão fora das matérias, a maior delas (na minha opinião, claro) é a grosseria e o super ego dos professores. Pessoas de exatas, em geral, tendem a se achar superiores e eu sinto que físicos se acham ainda mais superiores do que os demais dentro das exatas. Isso cria uma tendência de se cultivar uma lógica espartana de “apenas os melhores devem continuar” e falha em enxergar as habilidades que muitos alunos podem trazer para o meio científico, além de desmotivar e muitas vezes traumatizar aqueles que “são bons o suficiente para se formar”.
Então ai estará a primeira dificuldade, lidar com o ar de superior dos professores. Quando entrei no curso, a turma era composta de 36 alunos (7 eram mulheres e 29 homens). No 2º semestre, metade dos alunos já haviam saído e posso afirmar com tranquilidade que, dentre os que saíram, a maioria não saiu por causa da dificuldade nas matérias. Eles desistiram do curso por causa de um único professor que quase todas as aulas nos lembrava de como eramos burros, de como não devíamos estar no curso ou de como nossa turma era a pior turma para a qual ele já deu aula. Contarei mais detalhes disso mais tarde, mas tenha na sua cabeça que você provavelmente terá de lidar com muitos professores ruins e grossos.
Agora, vem o encanto. As primeiras matérias não são lá a coisa mais mágica do mundo, se assemelham bastante ao conteúdo de física visto no ensino médio, com cálculo 1, 2 e 3 incluso. Porém, assim que estas matérias passam, a verdadeira física mostra suas caras e nós contemplamos a belíssima forma na qual todas as teorias se conectam e possuem um princípio fundamental por trás (faça o curso para descobrir hahaha). Desde a física clássica de Newton, até a mecânica quântica de Schrodinger, a beleza está presente em todos os níveis e a capacidade de se conversar com a natureza, utilizando está língua chamada matemática nos traz umas sensação mágica. É apaixonante. Portanto, tenha na sua cabeça também que a física é a forma mais linda na qual a natureza se apresenta aos humanos.
Minhas experiências
Início do curso
Como dito anteriormente, o primeiro semestre já foi um desafio. Todas as segundas e quartas, eu e meus colegas íamos para a aula de Fundamentos Matemáticos da Física A e saíamos quase chorando (sem ironia). Lembro me bem de não entender nem perto de metade do que o professor escrevia ou falava, e só de compreender de verdade o quanto ele nos achava estúpidos. Mas bem, aqui estou eu hoje, fazendo um mestrado em física de partículas :)
Houve um dia específico, que o professor perguntou “Por que aparece esse seno aqui na expressão?” e um dos meus melhores amigos, João, respondeu “É porque isso ai é um produto escalar”. Eu achava a mesma coisa, era um produto escalar. Acontece que o João estava errado, e eu também. O professor rapidamente seguiu em dizer o quanto o João era incompetente por não saber isso ainda, afinal era óbvio que era na verdade um produto vetorial, o João deveria desistir do curso e voltar para o ensino médio. A humilhação se seguiu e apesar das palavras dele não serem direcionadas exatamente para mim, eu sabia que tudo o que ele dizia também se referia a mim que, como o João, também achava que a resposta era “produto escalar”.
Minha primeira prova na graduação foi nessa matéria, tirei um belo 2 (valia 10). Na segunda, 2 novamente. Na terceira, onde eu dei o máximo de mim para conseguir estudar e aprender o conteúdo, tirei 6. Na última prova, tirei 4.5. Resultado final: Minha média ficou 3.6 e a média mínima para aprovação da universidade era 5, logo, eu reprovei.
Na verdade das 4 matérias que tive no primeiro semestre, reprovei duas. Eu nunca tinha sido um aluno exemplar no ensino médio. Para ser honesto eu era um aluno bem mediano, então o primeiro semestre foi um baita susto. Minha matemática estava muito defasada e meus hábitos de estudo estavam fracos. Durante este 1º semestre, pensei em desistir do curso muitas e muitas vezes, honestamente acho que só não desisti por que tive bons amigos que sofreram junto de mim (e reprovaram) mas que continuavam tentando (infelizmente nem todos foram até o fim).
O segundo semestre conseguiu ser ainda pior e das 5 matérias, eu reprovei 2 e tranquei 1 (ao menos passei em Fundamentos matemáticos). Durante o 2º semestre eu queria tanto ser um bom veterano (já que os meus veteranos praticamente abandonaram a minha turma quando entramos, eu fui conhecer mesmo eles só no 3º semestre) para os recém chegados calouros que não me dediquei em nada nas minhas matérias. Só no 3º semestre que meu ritmo de estudo subiu e eu fui capaz de acompanhar as matérias.
Meio do curso
A partir do 3º semestre, meu desempenho cresceu substancialmente. Porém, fazer minha média acadêmica voltar a subir foi uma tarefa que durou vários semestres, durante este período, me envolvi com vários projetos de pesquisa informais (como minha média era baixa, não podia entrar formalmente em algum) e fiz mais amigos nos demais semestres do curso. E aqui tem as duas dicas principais que dou: Façam amigos e se apoiem, e experimentem coisas diferentes.
Uma pequena pausa no estudo para ir com seu(sua) amigo(a/e) tomar um açaí, por mais simples que seja tem um valor muito grande para a saúde. São as amizades que acompanharão essa jornada na graduação com você, elas são as pessoas que irão te ver nos melhores e piores momentos, se mantenham unidos. Eu sem dúvida não teria conseguido me manter na física sem meus amigos e minhas amigas.
Dos amigos mais próximos, dois deles moravam no mesmo bairro que eu e outros 5 moravam em bairros próximos. Então frequentemente voltávamos juntos da universidade para casa e no caminho parávamos em uma banca de cachorro quente para comer na rua antes de ir para casa. É nesses pequenos acontecimentos cotidianos que o curso ganha leveza, era quando reclamávamos de professores e outros alunos, fofocávamos, combinávamos roles, falávamos sobre a vida pessoal.
Foi um período onde eu com certeza passava mais tempo na universidade do que em casa. Não era raro eu sair de casa 7h da manhã e sair da universidade as 23h. Mas nem sempre eu ficava estudando até essa hora, afinal curtir a universidade também faz parte da sua formação hehehehe.
Além disso, pense que a graduação é o melhor momento para se experimentar e conhecer áreas diferentes, teste tudo que puder. Você só saberá do que não gosta, depois de testar. Cada área traz consigo seus ensinamentos e sua filosofia. Pegue matérias de outros departamentos se puder, não se feche apenas em física. Física é lindo, como eu disse, mas conheça outras ciências, mantenha seus interesses. Se gosta de filosofia ou história, pegue matérias desses departamentos também, fale com os professores responsáveis e não se doe por completo à física. Nesse período eu fiz matérias na biologia, filosofia, geociências, psicologia e na química, aproveitei todas elas e inclusive foi em uma delas que consegui uma iniciação científica que resultou em um artigo publicado na área de psicologia cognitiva. Então aproveitem :)
Talvez a dica de maior peso que eu possa dar seja: conheça seus limites, respeite seu tempo. O que mais vi durante a graduação foi alunos sacrificarem sua saúde para poder fazer mais matérias do que aguentam, pela pressão de se formar rápido ou para passaram para os outros e si a imagem de que conseguem tudo. Não façam isso. De nada vale se formar rápido ou sentir que é capaz de fazer tudo, se toda a beleza do curso fica para trás. Aproveitem cada semestre, explorem a universidade, passeiem, aproveitem os bares, saibam reconhecer a velocidade de aprendizado. Se vocês funcionam bem dormindo pouco, ótimo. Se não funcionam bem dormindo pouco, ótimo também, durma mais e depois faça suas tarefas descansado. Claro que há momentos em que a situação fica difícil (famoso período de provas), mas não torne viver na dificuldade um hábito cotidiano.
Final do curso
No final, tipicamente temos uma monografia para ser escrita. Aqui, a mais honesta dica que posso dar é: não foque apenas no tema, pense em quem vai te orientar. Vale a pena um orientador ruim por um tema bom? Minha resposta é não, e após os 2 primeiros semestres do curso, minha saúde e meu proveito no estudo se tornaram a minha prioridade. Creio que valha a pena ler este pequeno artigo de perspectivas da Akiko Iwasaki sobre orientadores tóxicos: https://doi.org/10.1038/s41591-020-0831-6 (A citação completa está na página Recomendações).
Meu orientador em específico foi ótimo e guardo muito carinho por ele ainda hoje, porém eu vi muitos amigos sofrerem e perderem o gosto pela física devido à convivência com orientadores péssimos.
Dicas finais
Para terminar, adiciono aqui 3 dicas para seu curso de graduação:
-
Participe de eventos! Busque auxílio da universidade para participar de eventos em outros estados e aproveite eles, conheça outros institutos, outros pesquisadores, aproveite as cidades. Durante minha graduação fui para São Paulo, Campinas (onde hoje faço o mestrado), Rio de Janeiro e Recife, e participei de eventos muito bons com meus amigos. Um desses eventos, em São Paulo, foi justamente onde eu achei o tema para meu Trabalho de Conclusão de Curso;
-
Aprenda inglês! Se você já sabe, ótimo. Se não sabe, aprenda. A língua na qual o meio científico se comunica hoje é o inglês. Chegará o momento no curso em que todos os livros texto da disciplinas serão em inglês, aproveite o início do curso para aprender;
-
Aprenda a programar. Você não precisa chegar no curso já sendo um poliglota computacional, mas quando entrar, busque aprender já de início. Em minha experiência, as matérias de programação falharam em me ensinar e eu apenas aprendi sozinho do meio para o final do curso. Programação pode parecer chato (eu achava insuportável), mas te garanto que é divertido. Se você não souber por qual linguagem começar, eu recomendo Python!
-
Escrever cartas de motivação para se auto promover se tornarão coisas comuns se você quiser ir participar em eventos ou aplicar para pós graduação. Se você já sabe inglês, a nature tem uma matéria com uma boa entrevista com alguns pesquisadores sobre como escrever uma boa carta de motivação: https://doi.org/10.1038/d41586-021-01101-z.
-
Aprenda estatística! Na minha experiência, os ensinamentos de estatística na graduação foram muito rasos e hoje vejo muitos cientistas, incluindo físicos, com problemas de metodologia e análise de dados por falta de conhecimento estatístico a respeito dos dados ou do problema em si.
Sites e apps úteis
-
https://www.connectedpapers.com/ é um site que conecta artigos relacionados. Você coloca o título de um artigo e ele monta um diagrama de quais outros artigos também tratam do mesmo tema, organizando por data de publicação e numero de citações. É uma ótima ferramenta para saber quais pesquisas se tem feitas em um tema.
-
https://www.notion.so/ é um aplicativo de organização. Nele você pode criar páginas personalizadas para diversos assuntos e organizar suas matérias, pesquisas ou tarefas semanais.
-
https://www.overleaf.com/ é um editor de texto online baseado em LaTex, uma linguagem de edição. Recomendo muito aprender e se acostumar, a liberdade para editar o texto é muito maior e muitas revistas científicas já tem templates prontos disponíveis no site para se escrever no formato que elas exigem.
-
http://github.com/ é um repositório de códigos. É uma ótima plataforma para adicionar códigos que fizer e acompanhar e encontrar o trabalho de outras pessoas. Além disso, o GitHub possui uma comunidade forte nos fóruns de dúvidas sobre programação.
-
https://colab.research.google.com/ é uma plataforma online de programação em Python do Google. Ela utiliza os servidores do Google para rodar seus códigos, o que significa que você precisará estar conectado na internet, mas é uma excelente saída caso tenha dificuldades de instalar um editor de programação no seu computador.
Algumas outras referências
Apesar de querer o melhor para as futuras e atuais pessoas que cursam física, não sou capaz de refletir a experiência de todas as pessoas. Como sabemos, por questões de gênero, racismo, renda e até a universidade onde se estuda, a experiência de outros pode ser muito mais valiosa para alguns do que a minha. Abaixo deixo alguns perfis de redes sociais de pessoas que trabalham com divulgação científica, formadas em física e que podem fornecer opiniões diversas:
- Aline Novais: @astroaline
She/her
/ brazilian astronomer
/ PhD candidate @ValongoUFRJ + @LMU_Muenchen / exoplanet atmospheres & astrobiology / divulgação científica #scicomm
- Ana Apleiade: @a_pleiade
Mulher Preta Falando e Fazendo Ciência ⋆ Física - USP ⋆ Do Universo as Questões Raciais.
- Bruna Shinohara @Shinossaura
Staff Scientist - Quantum at @cmcmicrosystems / (views are my own). / Divulgando física e computação quântica!